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A cena é conhecida em várias cidades brasileiras: ruas enfeitadas com tapetes de areia colorida, sal, café e outros materiais que formam imagens ligadas à fé cristã. Assim se celebra, desde o século 16 no Brasil, a festa de Corpus Christi, expressão em latim que significa “Corpo de Cristo”. A data é sempre exatamente 60 dias após a Páscoa, como é tradição.
A celebração teve origem no século 13, por iniciativa do Papa Urbano IV, com o propósito de exaltar a Eucaristia, cerimônia central na liturgia católica em que os fiéis comungam o pão, simbolizando o corpo de Jesus. Trata-se, portanto, de uma data litúrgica essencialmente católica, também observada por algumas denominações anglicanas.Segundo o teólogo e professor universitário Charles Fabian Costa Fernandes, doutor em Ministério pelo Fuller Theological Seminary (EUA), a resposta é não. “Não seria correto o cristão evangélico celebrar o Corpus Christi exatamente por ser uma tradição católica e de algumas igrejas anglicanas. Da mesma forma, não faz sentido as igrejas protestantes comemorarem essa data, visto que seguem outra confissão de fé e de doutrina”, explica.
Isso não significa, no entanto, que seja proibido ao evangélico usufruir do dia de folga ou mesmo visitar os tradicionais tapetes. Para Fernandes, o descanso é legítimo, como em outros feriados de origem diversa. “Não há nenhum problema, como há tantos outros feriados nacionais, como o caso do carnaval por exemplo, onde nós evangélicos não participamos das festividades, mas aproveitamos o momento para descansar”, afirma.
Quanto às manifestações culturais nas ruas, o professor reforça que não há impedimento para que evangélicos as visitem com discernimento. “É uma manifestação cultural. Não há nenhum problema em ir e apreciar essas representações artísticas com temas religiosos”, avalia.
Essa convivência respeitosa também pode ser ensinada dentro de casa. A pastora Eristelia Bernardo Martins, da Comunidade Cristã Casa do Pai, de Governador Valadares/MG, destaca que o exemplo de Daniel, no Antigo Testamento, é uma referência para os cristãos. “Daniel viveu ali na Babilônia, ele esteve no meio de uma cultura totalmente oposta à cultura que ele recebeu dos seus pais (…) mas ele não se contaminou. Ele serviu ali aos reis, sem se deixar ser levado pela cultura deles”, afirma. Para ela, a decisão de Daniel de não se contaminar, descrita em Daniel 1.8, reflete uma postura de firmeza interior diante de influências externas.
A pastora lembra ainda que, apesar de conviver em meio a outras crenças, Daniel se destacou por seu espírito excelente, expressão que, para ela, representa a ação do Espírito Santo. “Eu acredito que o cristão pode conviver com outras culturas, o que ele não pode é participar de algo que não seja dentro do que a Palavra de Deus orienta”, explica.Esse ensino, segundo ela, deve começar no ambiente familiar, especialmente com as crianças. “Minha filha, quando criança, estudou numa escola católica. O ensino era muito bom, um estudo de qualidade. Mas eu dizia para ela, em relação às festas, que ela não participava, apenas disso. Ela não participava, mas também não era um ponto de intolerância em relação à religião”, compartilha.
Diante de uma cultura predominantemente católica, saber discernir sem se afastar das pessoas é, para Eristelia, parte do testemunho cristão. “Nós podemos ensinar nossos filhos que eles podem estar no meio de outras pessoas, conviver com outras culturas, respeitando tais pessoas e suas crenças, sem se deixar levar. A essência disso tudo, acredito, é o respeito”, conclui.
O Corpus Christi pode ser compreendido como uma oportunidade para o diálogo respeitoso e o testemunho cristão. “A igreja pode aproveitar a data com programações especiais para promover o evangelismo. E se houver algum católico na família, deve haver respeito e jamais críticas ou pronunciamentos que possam ofender a fé da pessoa”, orienta Fernandes.
A pastora Eristelia concorda. “Se a gente ensinar aos nossos filhos que nós temos um Deus em nós, devemos servir a Ele, e inclusive respeitando a fé de outras pessoas, nós podemos convencer tais pessoas de que nós temos, de fato, a visão de Deus para as nossas vidas”.