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A adolescência, etapa marcada por transformações intensas, tem se tornado, nas últimas décadas, um território cada vez mais árido para a saúde emocional. Dados recentes revelam um agravamento global dos quadros de depressão, ansiedade e automutilação entre jovens. O cenário já não permite indiferença, nem da sociedade em geral, nem das igrejas. Afinal, entre os que sofrem, estão filhos, filhas, sobrinhos, vizinhos, membros da comunidade de fé.
A conexão entre a popularização do smartphone e o aumento dos transtornos mentais entre adolescentes já foi amplamente discutida em publicações como A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, que descreve o fenômeno como uma “reconfiguração da infância”. Haidt defende que o surgimento e rápida disseminação dos smartphones, aliado ao uso intenso de redes sociais, transformou não apenas o modo como os jovens interagem, mas sua própria experiência de amadurecimento.
O impacto disso é visível. Segundo o relatório de 2025 da fundação KidsRights, realizado em parceria com a Universidade Erasmus de Roterdã, um em cada sete jovens entre 10 e 19 anos vive com algum tipo de transtorno mental. O estudo também detectou uma relação direta entre o uso problemático das redes sociais e o aumento das tentativas de suicídio nessa faixa etária.
Redes sociais e o ciclo da comparação
Com a vida mediada por telas, adolescentes passaram a se comparar constantemente com imagens editadas e versões idealizadas da realidade. Para muitos, o valor pessoal passou a depender de curtidas, comentários e visualizações.
“O celular vira um espelho, e o reflexo nunca é bom o suficiente”, descreve Thom S. Rainer, fundador da plataforma Church Answers. Ele observa que esse ciclo de comparação é especialmente cruel com meninas, que tendem a ser mais afetadas por padrões de beleza e performance digital.
O relatório KidsRights corrobora essa visão ao identificar que o consumo excessivo de conteúdo digital está diretamente ligado à insatisfação com a autoimagem e à sensação de inadequação social.
Privação de sono e esgotamento emocional
Outro ponto de atenção é o impacto das telas na rotina de descanso. A exposição à luz azul dos aparelhos, combinada à natureza viciante das redes, tem interferido no sono dos jovens, uma necessidade fisiológica crucial na adolescência.
“A privação de sono não deixa apenas os adolescentes mal-humorados. Ela prejudica a memória, enfraquece a regulação emocional e alimenta a depressão”, escreve Rainer. A ciência confirma isso, e estudos da OMS já associam a privação de sono ao aumento da vulnerabilidade emocional, tornando o jovem mais suscetível a quadros de ansiedade e tristeza persistente.
Um novo rosto para o bullying
Se antes o bullying se limitava ao ambiente escolar, agora ele transborda os muros da escola e invade os lares. A prática do cyberbullying, muitas vezes invisível aos adultos, tem gerado sofrimento contínuo e silencioso.
“O bullying não para quando o aluno chega em casa. Persegue-o até o quarto e noite adentro”, destaca Rainer. Essa forma de violência digital, segundo o relatório da KidsRights, tem contribuído para o aumento nos atendimentos de emergência por automutilação, especialmente entre meninas, com crescimento de 50,6% em 2021, contra 3,7% entre os meninos no mesmo período.
Isolamento em meio à hiperconexão
Apesar da promessa de manter as pessoas conectadas, os smartphones parecem estar aprofundando o sentimento de solidão. A convivência real tem sido substituída por interações digitais superficiais, mediadas por emojis e algoritmos.
“Os adolescentes estão mais solitários, mais desconectados e mais ansiosos, mesmo estando mais conectados”, analisa Rainer. A fundação KidsRights define essa situação como uma “caixa de Pandora de desafios e oportunidades”, onde os benefícios tecnológicos são ofuscados pelos riscos emocionais e sociais enfrentados por crianças e adolescentes.
O papel da igreja na construção de refúgios seguros
Diante de um quadro tão complexo, líderes cristãos têm um chamado de reconhecer o sofrimento psíquico dos jovens como um campo legítimo de cuidado pastoral. A espiritualidade, quando vivida de forma acolhedora e encarnada, pode ser um fator de proteção emocional, não apenas pela fé professada, mas pela criação de vínculos, apoio comunitário e presença significativa.
Rainer propõe medidas práticas que podem ser adotadas por igrejas e famílias. “Vamos criar zonas livres de smartphones. Vamos convidar os adolescentes para conversas reais, para a comunidade presencial e para o amor sem filtros”, expressa. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de retomar o controle do tempo, da atenção e da escuta mútua.
Especialistas em saúde mental também advertem para o risco de soluções extremas, como proibições absolutas ao acesso digital. “Proibições tão rígidas podem infringir os direitos civis e políticos das crianças”, alerta o relatório da KidsRights, ao comentar a decisão da Austrália de proibir o uso de redes sociais por menores de 16 anos, regra que também foi implantada no Brasil. Em vez disso, a proposta é a promoção de ambientes digitais mais seguros, com envolvimento direto de educadores, famílias, desenvolvedores de tecnologia e líderes comunitários.
O evangelho como antídoto à insuficiência
A mensagem de Cristo continua sendo profundamente relevante para uma geração que sente que nunca será suficiente. A afirmação de que somos plenamente conhecidos e amados (1 João 4:10) pode oferecer o contraponto necessário à cultura do desempenho e da comparação. Os cristãos agora são chamados a serem instrumentos da verdade, escuta e acolhimento. Um refúgio emocional e espiritual. A igreja não pode ser apenas um púlpito que ensina, mas uma comunidade que caminha junto.
A crise da saúde mental entre adolescentes não é um fenômeno passageiro. E a igreja não pode ser apenas uma observadora, mas precisa agir com empatia, sabedoria e coragem.